Carnavais e amanhãs
Atílio Alencar
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Reza o dito popular que, em Pindorama, o ano não se atreve a começar antes do Carnaval. Mas quando então começa um ano em que a alegria multidudinária está suspensa, coibida pelos ares da moléstia? Qual o sentido de estabelecer a quarta-feira de cinzas como a dobra entre dois mundos, o do gozo festivo e o da ressaca laboriosa, quando a epopeia dos blocos deu lugar à inércia das salas de estar? Que sabor terá a cerveja solitária neste ano em que a saudade é do futuro, da folia porvir, livre e vacinada, que virá redimir nossa época sem brilho, sem confete, sem marchinha?
Há quem odeie o Carnaval, claro, e com toda a razão. Afinal, só a razão pode rejeitar uma festa que é do corpo, do sol, da chuva, do ar, da sarjeta, da carne em domingo eterno e das paixões sem compromisso. A razão é um patrão que se aborrece com o desperdício do feriado. É justo que a civilização estremeça com a folia, que acuse a sem-vergonhice orgulhosa dos que vadiam, que lamente a opulência dos pecados a céu aberto. Em fevereiro, costumamos ridicularizar os bons costumes, desnudar o absurdo de uma vida resumida ao trabalho e aos pagamentos, acreditar que somos os heróis das nossas próprias vidas. We can be heroes, just for five days - em inglês embromado, pra surrupiar uns dólares aos gringos.
ENTRE SAUDADES E ESPERANÇA
Dos carnavais passados, guardo mais que algumas fantasias rotas. A memória dança e se perfuma com imagens meio diluídas: a Avenida Rio Branco em êxtase com a Muamba, puxada sob um chuvisqueiro de verão pelos gritos de Nei d'Ogum; o Bar do Pompeo invadido pelo Bloco do Eu Solzinho e seu cortejo amoroso de batuqueiros anarquistas; a Unidos do Itaimbé convertendo o parque num córrego de samba, suor e cerveja; o Galo Preto madrugando na Mocidade das Dores com um cordão dos desafinados; o Bloco da Laje profanando a mata virgem de Três Barras, liderado por Cristos e Madalenas enamorados, embriagados e sem culpa. Houve também carnavais que passei em Macondo, entre pierrôs e colombinas de All Star e camisa xadrez. O Carnaval é muitos carnavais.
Hoje, enquanto escrevo estas linhas, há como que um fantasma carnavalesco pairando sobre a cidade. Um espírito zombeteiro que se ri da nossa desventura, mas gentilmente assobia melodias otimistas sobre fevereiros inéditos, maiorais. Exus e Macunaímas, prestimosos e dengosos, nos aguardam nas esquinas encantadas. E quando a gente outra vez botar o bloco na rua, não haverá governo nem boiada que proibirá a chuva dourada de molhar o asfalto. Vai ser pra arrebentar.
"Non fare il portoghese"
Fabiano Dallmeyer
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Todos os italianos já ouviram a expressão "non fare il portoghese", "não seja português" é uma expressão, é um jargão comum para indicar quem utiliza um serviço sem pagar, por exemplo viajar em transportes públicos sem bilhete ou tentar entrar gratuitamente num local. Mas os irmãos lusitanos são famosos por não pagarem? Não, isso mostra como um fato histórico pode dar origem a um preconceito sobre um povo, neste caso o português. Muitas expressões vêm de crenças ou histórias mal contadas. Quem nunca ouviu alguma história de "gaúcho gay" ou do "baiano preguiçoso". Se não ouviu, ótimo! Os tempos estão mudando, nem sempre essas mudanças são boas, mas neste caso, sim. Mesmo existindo "explicação" para este tipo de histórias, essa expressão italiana tem origem história específica do século XVIII.
Portugal era uma nação muito rica e próspera, cultural e economicamente. Tinha embaixadas em toda a Europa, sendo uma das mais importantes a da Santa Sé em Roma.
O TEATRO ARGENTINA
Os lusitanos organizavam grandes espetáculos e recepções no Teatro Argentina. Para os compatriotas, a entrada era gratuita, bastava declarar a nacionalidade na porta. Mas então por que existe a "non fare il portoghese"?
Para entender melhor, vamos ao reinado de D. João V de Bragança, nas primeiras décadas do século XVIII, um período de particular riqueza para Portugal. Naquele período, de fato, a expansão colonial na África e na América do Sul garantiu receitas conspícuas aos cofres portugueses. João V, conhecido como Il Magnifico, fez uso extensivo de riquezas para fazer luxuosas embaixadas ao Papa e organizar eventos totalmente gratuitos, especialmente em Roma, dados os laços religiosos entre o papado e o povo. Na onda desta política, foi construído o Teatro Argentina, por vontade da família Cesarini Sforza e com o apoio da coroa portuguesa. O Teatro Argentina é um teatro de ópera localizado no Largo di Torre Argentina, uma praça de Roma, na Itália. Um dos mais antigos teatros da cidade, foi construído em 1731 e inaugurado em 31 de janeiro do ano seguinte com a ópera "Berenice", de Domenico Sarro. O edifício foi construído sobre parte do Teatro de Pompeu, o local onde foi assassinado Júlio César.
ENTRADA GRATUITA, AOS PORTUGUESES
Em homenagem à inspiração de D. João V, decidiu-se tornar a entrada gratuita para todos os portugueses. Bastava declarar a nacionalidade na entrada. O boato espalhou-se rapidamente e nos dias que se seguiram, muitos romanos apareceram na bilheteira alegando serem portugueses, tentando se aproveitar da situação. Nasce aí o ditado "não seja português", referindo-se não a uma atitude do povo lusitano, mas ao artifício utilizado pelos romanos naquela ocasião. Portanto, a expressão não pode ser utilizada com preconceito ao povo de Portugal. Essa culpa é dos romanos!